POESÓ

TUDO PODE VIRAR PÓ
OU
POEMA





















quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Silenzio

”Ho conosciuto il silenzio
delle stelle e del mare,
il silenzio dei boschi prima che
sorga il vento di primavera.
Il silenzio di un grande amore,
il silenzio di una profonda pace dell’anima
Il silenzio tra padre e figlio
e il silenzio dei vecchi carichi di saggezza

(Edgar Lee Masters
 
)

Sempre é Possível Mudar

SEMPRE É POSSÍVEL MUDAR!
 
 
 
Esta foto incrível marca o fim da carreira do toureiro Alvaro Munera. Ele entrou em colapso no meio de uma luta quando chegou a hora de matar o touro. Ele passou a se tornar um adversário ávido de touradas. Mesmo gravemente ferido pelas espadas o touro não o atacou.

Munera explica este momento: "E de repente, eu olhei para o touro. Ele tinha essa inocência que todos os animais tem em seus olhos, e ele olhou para mim com uma contestação. Era como um grito de justiça, no fundo, dentro de mim. Eu descreveria-o como sendo uma oração - espero que tenha me perdoado. Eu me senti a pior merda na Terra."

PROFUNDIDADE

VEJO SOB TODOS OS ÂNGULOS
MESMO OS MAIS INUSITADOS
A PROFUNDIDADE DO SEU SER
NÃO ME IMPORTO SE FOR UM POÇO
OU UM FATÍDICO PRECÍPICIO
ESTOU ACOSTUMADA ÀS QUEDAS
E VERTIGENS
OS SEUS OLHOS SÃO AS JANELAS
ONDE OS MEUS DESEJAM PULAR
NAS ÓRBITAS E ÓBITOS DE DORES
QUE OS MEUS QUEREM APAGAR
VEJO VOCÊ DE FORMA OBLÍQUA
COMO UMA CHUVA RECÍPROCA
QUE VEM REFRESCAR OS MEUS PENSAMENTOS
E OS SEUS LÁBIOS SÁBIOS DE SILÊNCIO
AMORTIZAM TODOS OS MEUS GRITOS
A SUA PROFUNDIDADE TRAFEGA
NAS RUAS PLANAS OU ÍNGREMES
DO MEU SER QUE DESPREZA OS BURACOS E OBSTÁCULOS
SÓ PARA EM SEUS OLHOS DISSOLVER


Carlos Gutierrez

ESCOLHO

ESCOLHO UM OLHO
PARA ABARCAR TODO ESSE CÉU
ESCOLHO UM LÍMPIDO OLHO
LIVRE E SEM VÉU
PARA ABSORVER TODA ESSA AMPLITUDE
ESCOLHO UM OLHO INOCENTE
PARA RECOLHER EM SUAS RETINAS
TODO O HORIZONTE SEM CORTINAS
ESCOLHO UM OLHO
NO MOLHO AZUL DAS HORAS
 
Carlos Gutierrez
 
 
 
Casi fuera del cielo ancla entre dos montañas
la mitad de la luna.
Girante, errante noche, la cavadora de ojos.
A ver cuántas estrellas trizadas en la charca
PABLO NERUDA
 
 

A ROSA NEGRA

O QUE PODE ESCAPAR DO INCENDIAR DE FIGURAS
OU PRETENSAS PALAVRAS
O QUE SE CARBONIZA EM SILENCIO
O INVISÍVEL SANGUE TEXTIL QUE ESCORRE
O PAPEL QUE ABSORVE TODOS OS SENTIMENTOS
PIGMENTOS E FRAGMENTOS
A ROSA NEGRA QUE CHORA E CONGELA AS SUAS LÁGRIMAS
E SE DESPREENDE DO JARDIM DO CADERNO
E LEMBRA QUE UM DIA JÁ FOI PRIMAVERA
E HOJE SE FAZ INVERNO

Carlos Gutierrez


Desenho de Daniela Oliveira


Amor no Hospício

Isso Compensa 
AMOR NO HOSPÍCIO - Dylan Thomas

Uma estranha chegou
A dividir comigo um quarto nessa casa que anda mal da cabeça, 
Uma jovem louca como os pássaros

Que trancava a porta da noite com seus braços, suas plumas.
Espigada no leito em desordem 
Ela tapeia com nuvens penetrantes a casa à prova dos céus

Até iludir com seus passos o quarto imerso em pesadelo,
Livre como os mortos, 
Ou cavalga os oceanos imaginários do pavilhão dos homens.

Chegou possessa
Aquela que admite a ilusória luz através do muro saltitante, 
Possuída pêlos céus
Ela dorme no catre estreito, e no entanto vagueia na poeira
E no entanto delira à vontade 
Sobre as tábuas do manicômio aplainadas por minhas lágrimas deâmbulas.

E arrebatado pela luz de seus braços, enfim, meu Deus, enfim
Posso de fato 
Suportar a primeira visão que incendeia as estrelas.

Dylan Thomas 1914 - 1953

www.issocompensa.com
www.facebook.com/issocompensa
AMOR NO HOSPÍCIO - Dylan Thomas

Uma estranha chegou
A dividir comigo um quarto nessa casa que anda mal da cabeça,
Uma jovem louca como os pássaros

Que trancava a porta da noite com seus braços, suas plumas.
Espigada no leito em desordem
Ela tapeia com nuvens penetrantes a casa à prova dos céus

Até iludir com seus passos o quarto imerso em pesadelo,
Livre como os mortos,
Ou cavalga os oceanos imaginários do pavilhão dos homens.

Chegou possessa
Aquela que admite a ilusória luz através do muro saltitante,
Possuída pêlos céus
Ela dorme no catre estreito, e no entanto vagueia na poeira
E no entanto delira à vontade
Sobre as tábuas do manicômio aplainadas por minhas lágrimas deâmbulas.

E arrebatado pela luz de seus braços, enfim, meu Deus, enfim
Posso de fato
Suportar a primeira visão que incendeia as estrelas.

Dylan Thomas 1914 - 1953

www.issocompensa.com
www.facebook.com/issocompensa

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O Batedor de Ovos

O BATEDOR DE OVOS

LEMBRA QUE A GEMA
É O CORAÇÃO DO ÔVO
REVESTIDA PELA CLARA
O SANGUE ANÁGUA
DA PELE CALCIFICADA
DA CASCA
LEMBRA QUE QUANDO O ÔVO SE QUEBRA
PODE SE ESPALHAR DE VÁRIAS FORMAS
VIRAR OMELETE
RARIV TORTA
OU BOLO OU PANQUECA
E ATÉ MESMO
ARMA DE PROTESTO
LEMBRA QUE A VIDA
É JUSTAPOSTA
DE LINHAS
FIOS DE OVOS
FORMAS
E PROFUNDIDADES
QUE SE MISTURAM
E AGUÇAM OS NOSSOS SENTIDOS
LEMBRA QUE CADA DIA VIVIDO
PODE SER UM NOVO ÔVO
E SÓ VOCÊ PODERÁ
DEIXÁ-LO INTACTO
OU DIVIDIDO
OU BATIDO
 
 
Carlos Gutierrez
 
 
Batedor de ovos número 4, 1928 – Stuart Davis

Cores e silhuetas ambíguas foram justapostas neste delicioso jogo de forma, linha e profundidade. Elementos individuais foram cristalizados num todo abstrato constituído por blocos de cor lisa e forma precisa. Eles convidam o olhar a percorrer a tela seguindo os movimentos angulares do batedor de ovos.

Fonte: O Livro da Arte

BALÕES

BALÕES

NUVENS COLORIDAS
GOMOS INFLADOS
QUE SOBEM ESTILIZADOS
E RODOPIAM
AS ÓRBITAS DOS NOSSOS OLHOS
PRESOS EM NOSSAS FACES
SOLTOS EM NOSSOS SONHOS
OS OLHOS JAMAIS PARAM
MESMO DORMINDO
VÃO SEGUINDO
ALGUM CLANDESTINO BALÃO
 
Carlos Gutierrez
(+) poema em forma de balões
‎(+) poema em forma de balões

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

TEMPO RICO

EU TENHO AINDA ALGUM TEMPO
SEM CONTRATEMPOS
TENHO UM TEMPO PARA PASSATEMPOS
PENSAVENTOS E BRISAUDADES
TENHO UM TEMPO ONDE O AMOR PASSA LENTO
UM TEMPO ALENTO
E O LAMENTO PASSA RÁPIDO
E NEM DEIXA VESTÍGIOS
SOU MAIS RICO AINDA PORQUE PENSO
NO QUE ME DEIXA MAIS INTENSO
PROPENSO A FAZER POESIAS

Carlos Gutierrez


Enquanto Houver Tempo

ENQUANTO HOUVER TEMPO
MESMO NUM TEMPO TORTO
NUM TEMPO TORTURANTE
EM HORAS HESITANTES
MINUTOS ANGUSTIANTES
ENQUANTO EU AINDA LEMBRAR DO PASSADO
SENTIR O PRESENTE
E VISLUMBRAR A SUA SOMBRA NO FUTURO
SEI QUAE AINDA TEREI TEMPO
 
 
Carlos Gutierrez
 
 
Epitáfio:
Lord Byron
"But there is that within me which shall tire. Torture and Time, and breathe when I expire."

"Mas há dentro de mim algo que cansará. Tortura e tempo, e fôlego quando eu expirar."

George Gordon Byron 1788 - 1824

O epitáfio é trecho do poema "Childe Harold's Pilgrimage", obra-prima de Byron, publicado entre 1912 e 1918.

A ossada do poeta sedimenta na igreja de Santa Maria Madalena, Nottinghamshire, Inglaterra.

www.facebook.com/issocompensa

PAGU

PAGU
NÃO SE APEGA
SEU DESTINO FOI SEMPRE
SER LIVRE
PAGU
NÃO SE APAGA
SEMPRE SE INFLAMA
E SE PROPAGA
PAGU
É RARA
COMO ENCONTRAR
UMA AGULHA NO PALHEIRO
PAGU
É MAIS QUE FAGULHA
FOGUEIRA NO GELO
O CREPITAR DE UM ICEBERG
 
 
Carlos Gutierrez
 
 
 
 
Dos escombros de Pagu | Um recorte biográfico de Patrícia Galvão.

http://j.mp/WsjIoG

ORIGAMI

NÃO RECLAME
SE EU DOBRAR
REDOBRAR
E ME DESDOBRAR
PARA QUE EU CHAME
A SUA ATENÇÃO
E DESPERTE O SEU INTERESSE
MEU GAME É ESSE
BLEFAR
POETICAMENTE


Carlos Gutierrez
(+) poema em forma de origami

LABIRINTOS

LABIRINTOS
COMO SÃO INSTIGANTES
LINHAS QUE PODEM SER MASTIGANTES
QUE FORJAM ATALHOS INTRIGANTES
LABIRINTOS
INFINITOS E DELIRANTES
SEMPRE ATRAENTES
PRINCIPALMENTE
A QUEM NUNCA PROVOU
A PAISAGEM E O PÓ
DE UM VERDADEIRO CAMINHO
 
 
 
Carlos Gutierrez
(+) poema em forma de reflexão

O ATELIÊ DE CONSTANÇA

O ATELIÊ DE CONSTANÇA
É REPLETO DE MIMOS E MINÚCIAS
LÁPIS DE VARIAS GRADUAÇÕES
ESTILETES BISTURIS DE MADEIRA E GRAFITE
O ATELIÊ DE CONSTANÇA
TEM UM POUCO DE ADULTO PARA AMADURECER
E CONCRETIZAR AS OBRAS ARTÍSTICAS
E UM POUCO DE CRIANÇA
PARA A IMAGINAÇÃO QUE VEM ANTES
O ATELIÊ DE CONSTANÇA
TEM ATÉ UM FIEL CÃO
GRAVADO EM UMA FOLHA DE DESENHO
O ATELIÊ DE CONSTANÇA É PARADOXALMENTE
ORGANIZADO MESMO COM TODA " INCONSTANÇA"
O ATELIÊ DE CONSTANÇA DANÇA
POETICAMENTE
 
 
 Carlos Gutierrez
fotos do meu atelier - Constança Lucas

ViDA MAIS INTERESSANTE

NÃO ME OFEREÇA
CLICHÊS
LIVROS DE AUTO AJUDA
DE BOAS MANEIRAS
DE ETIQUETAS
NÃO ME SUBMETA
ÀS LEIS E CONVENÇÕES
A VIDA É MAIS INTERESSANTE
DENTRO DA MINHA CABEÇA...
AH! ESQUEÇA
A REALIDADE
A CRUELDADE
A MEDIOCRIDADE
LÁ FORA
HABITE A FÁBULA DE VIVER
 
 
Carlos Gutierrez

TABACARIA

Pílulas de Literatura: Pessoa na tabacaria, com Álvaro de Campos e o Esteves sem metafísica

por Isso Compensa, Sábado, 28 de julho de 2012 às 09:49 ·
Tabacaria

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente

Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,

Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.


(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.


Fernando Pessoa
Álvaro de Campos, 15 de janeiro de 1928
Tabacaria

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

NEBLINA

A NEBLINA
ESSA CLARA E CINZA ATMOSFERA
QUE REVESTE A PAISAGEM
E DEIXA OS NOSSOS OLHOS ESPAVORIDOS
ENTRE NÉVOAS E SAUDADES
É A OPACAM IMAGEM
QUE PROPICIA VIAGEM
À LONGA MELANCOLIA
A NEBLINA LEMBRA MANHATTAN
EM NOITES FRIAS
FAZ LEMBRAR ALGUNS FILMES DE WOODY
FARÓIS DE MILHA
PESADOS ÓCULOS
CONDESSADAS LENTES
LEMBRA FOG INTERMITENTE DE LONDRES
E DEIXA OS PENSAMENTOS
CADA VEZ MAIS LONGE...........................LONGE
 
 
Carlos Gutierrez
poema em forma de neblina

Devoção

BEM QUE ELA MERECIA AS LENTES DE HENRI CARTIER-BRESSON
PARA TRANSPARECER FIELMENTE TODA A SUA BELEZA
E O SEU ESPLENDOR
OS SEUS OLHOS NÃO SÃO APENAS OLHOS
CURIOSIDADE! ESPANTO! SURPRESA!
OS SEUS OLHOS SÃO FARÓIS QUE ILUMINAM DE AMOR
TODOS OS CAMINHOS
A SUA FACE NÃO É APENAS PLÁSTICA BELEZA
ELA É TODA SERENIDADE CAPAZ DE MANTER
A CÂMERA INTACTA SEM RISCOS DE SER TRÊMULA
BEM QUE ELA MERECE A MELHOR LUZ
O MELHOR ÂNGULO A MAIS LINDA PAISAGEM
COMO PANO DE FUNDO DO CENÁRIO
BEM QUE ELA MERECE TODO O MELHOR TEMPO
PARA SER ADMIRADA



Carlos Gutierrez

O que a janela está olhando?

De uma frase de Arnaldo Antunes


O QUE A JANELA ESTÁ OLHANDO 
O LADO DE DENTRO 
OU O LADO DE FORA ]
OU ESTÁ ENTRE 
OLHANDO VERTICALMENTE 
SERÁ QUE ESTÁ LATENTE 
ENTRE OS MÓVEIS CORTINAS E ESPELHOS 
OU ABERTA ESCANCARADA 
OLHANDO DISPLICENTE A PAISAGEM 
E A PASSAGEM DE SERES 
CONHECIDOS OU ESTRANHOS 
O QUE A JANELA ESTÁ OLHANDO 
O DIA HORIZONTALMENTE 
O SOL CIRCULARMENTE 
A CHUVA OBLÍQUA
O ENTARDECER ZIGUEZAGAMENTE 
O ANOITECER 
AS ESTRELAS ESPALHADAMENTE 
OU OS SONHOS AINDA EM NEVOEIROS?


Carlos Gutierrez

Olhos de Chuva

TENHO OS OLHOS DE CHUVA ÀS VEZES
GAROA FRIA DA TÊNUE MELANCOLIA
A VIDRAÇA DA JANELA DO MEU QUARTO
SE FAZ ESPELHO DE TURVAS PAISAGENS
E PESSOAS APRESSADAS E OBLÍQUAS
TENHO OS OLHOS REBELDES ÀS VEZES
EM VESGAS IMPRESSÕES
COMO LER APRESSADAMENTE UMA LETRA DE DYLAN
E FICO PASMO NAS POÇAS NOS MARASMOS DA VIDA
SINTO UM ADEUS EM CADA PINGO DE CHUVA
EM CADA GOTICULA SUSPENSA PELA POÇA D'ÁGUA
EM CADA LÁGRIMA QUE ESCORRE NA BOCA DE LOBO DOS OLHOS



Carlos Gutierrez

RODA GIGANTE

RODA GIGANTE

EU QUE OLHAVA
COM OS OLHOS AINDA INOCENTES
DE CRIANÇA
AQUELE BRINQUEDO GRANDIOSO
QUE GIRAVA DE FORMA ALUCINANTE
ME SENTIA TÃO PEQUENO
SORVENDO O VENENO DA AMBIÇÃO
DE SER MAIOR DO QUE ELA
A RODA GIGANTE
AS CABINES COMPACTAS E DELIRANTES
OS OLHOS ESBUGALHADOS
O FRIO NA BARRIGA
A INTRIGA DO CÉU
O GIRAR...O GIRAR...O GIRAR...
O MOMENTO CIRCULAR BRILHANTE
 
 
Carlos Gutierrez
poema em forma de roda gigante

JANIS

LEMBRANDO...
TEMPOS EFERVECENTES...
JANIS JOPL...INSÓLITA
JABIS JOPL...INSANA
JANIS JOPL...INSATISFEITA
JANIS JOPL..INSTÁVEL
JANES JOPL...INTENSA
JANES JOPL..INSTIGANTE
A RODA GIGANTE DENTRO DE UMA VOZ


Carlos Gutierrez




Carlos Gutierrez

FÓSFOROS


ANTES QUE SE RISQUEM
E SE ARRISQUEM
ANTES QUE FRICCIONEM
A ÁSPERA LÂMINA
ANTES QUE SOLTEM FAÍSCAS
FAGULHAS QUEIMADURAS
NOS DEDOS HESITANTES
E EM SEU PRÓPRIO PAPEL CORPO VIOLETA
ANTES QUE SEJA CHAMA
E POSSÍVEL LABAREDA
ANTES QUE PRODUZA INCÊNDIO
ANTES QUE SEJA QUENTE DEVASTAÇÃO
TÓRRIDA EXECUÇÃO
ANTES QUE O FOGO APAGUE
ANTES QUE SEJA UMA LEMBRANÇA
QUE SÓ ARDE COVARDE
ANTES QUE RESSEQUEM
E PERCAM A SUA VALIDADE
poema em forma de palitos de fósforo

ADERÊNCIA

COLA
ADERE
EM QUASE TODA PELE
DETERIORÁVEL
OU DURADOURA
EM DOBRADURAS
OU DOBRADIÇAS
COLA
DESCOLA
RECOLA
ISOLA
SE NÃO HÁ EPOXI
ARALDITE
NEM PRITT
OU MESMO GOMA ARÁBICA
A VELHA E BOA FITA DUREX
QUE JÁ NASCE AMARELA
E PERMANECE PÁLIDA
ENQUANTO CÁLIDA
E PEGAJOSA
poema em forma de fita adesiva

CARDUME

DEIXE QUE O PEIXE
SE DESLEIXE
NO FEIXE DOS SEUS PENSAMENTOS
SEJA UM AQUÁRIO SOLIDÁRIO
MESMO ESTANDO VAZIO

Petit Prince

PETIT PRINCE
TÃO POEMÁTICO
SINTOMÁTICO
POLVILHO DE VERSOS
NO CÉU SEMPRE LIMPO E ABERTO
PARA OS SONHOS
FLUTUAREM


Caros Gutierrez

Depois do Alvoroço

DEPOIS DA REVOADA
DEPOIS DO ALVOROÇO
DE AVES BICOS E PENAS
GRITOS E PENÚRIAS
O DESTILAR DO MEDO EM UM BANCO DE JARDIM
EM DOCES MIGALHAS
(+) poema em forma de Hitch e seus (Angry) Birds

sábado, 5 de janeiro de 2013

CLARABOIA

SUBO
ME DERRUBO
ME ESCORREGO
ROLO SOBRE OS DEGRAUS
PASSOS EM PARANOIA
PELA CARACOL CLARABOIA


Carlos Gutierrez


A POESIA ESTÁ NA RUA

A POESIA ESTÁ NA RUA 
NA PELE CINZA DO ASFALTO 
 NA ZEBRA DAS FAIXAS DE PEDESTRES 
NOS OLHOS TRANSTORNADOS DOS TRANSEUNTES 
NOS TRÊS OLHOS DOS SEMÁFOROS 
NOS FARÓIS ALTOS DOS ALUCINADOS AUTOS 
NOS LAY-0UTS QUE SE PROJETAM 
ANÚNCIOS APELOS PRENÚNCIOS



 A POESIA ESTÁ NA RUA 
NUA VADIA LADRANDO MIANDO 
NOS MEANDROS MADRIGAIS 
A POESIA ESTÁ NA RUA 
ESTÁ NA SUA MELANCOLIA 
ESTÁ NA SUA EUFORIA...
A POESIA ESTÁ NA RUA 
EM CADA PASSO 
EM CADA BÊBADO QUE VOCÊ CRIA 
EM CADA SARJETA QUE VOCÊ ABRAÇA


Carlos Gutierrez

RELANCE

RELANCE
TALVEZ VOCÊ AINDA ME ENCONTRE!
NO COPO DE WHISKY DE ONTEM
NA PÉTALA PETULANTE
QUE ESCAPOU DA ROSA QUE EU LHE TROUXE
NA MANCHA DE BATOM
EM MEU BRANCO MOLETON
NO SUTIL VINIL
QUE AGUARDA AS SUAS MÃOS
PARA VIRAR NOVAMENTE SONS
DENTRO DE UM RETRÔ PICK UP
TALVEZ
AINDA ESCAPE ALGUMA RECORDAÇÃO
O PISCAR DE UM LINDO FLERTE
RASTROS DE PASSOS HESITANTES
COMO AS LUZES DE UM PISCA PISCA
OU A JANELA QUASE EMBAÇADA
ONDE CHUVISCA A SUA SAUDADE

Carlos Gutierrez